Alguém, em algum lugar

Em junho de 2007, meu mundo caiu com a seguinte frase: SEU EXAME DEU POSITIVO! Pronto, naquele momento perdi o chão, os sonhos, meu eu, ficou tudo no chão daquela sala do CTA Henfil no centro de São Paulo... Enquanto a assistente social falava que não era o fim do mundo e blá blá blá, eu só conseguia repetir dentro da minha cabeça: EU TENHO AIDS! EU TENHO AIDS! EU TENHO AIDS! É complicado receber uma notícia dessas aos 26 anos, com muitos sonhos pela frente, muito a fazer, a me divertir e até a aprontar... Sai sem alma do CTA, caminhando pelas ruas com o exame no bolso sem saber o que pensar, falar, ver ou até ser, eu não sabia mais como ia ser o futuro, se haveria futuro, se eu seria feliz, enfim, não sei o que se passa na cabeça de quem descobre isso, na minha, uma gigante interrogação, me sentia como Luciana Scotti, em Sem Asas ao Amanhecer (ótima dica de leitura)...Eu nunca tinho ficado doente, nem gripe forte eu tivera, sempre fui muito saudável, muito regrado, meio tonto até, não era promíscuo, uma vida sexual normal de conhecer, paquerar, transar, como qualquer cara interessante e solteiro solto aí pelo mundo, mas tinha acontecido comigo, justo comigo...

segunda-feira, 30 de junho de 2008

O primeiro amigo e a descoberta de como eles são fundamentais nessa trajetória...

No dia que eu cheguei em casa com o exame na mão e sem ningue´m pra desabafar, entrei na net e descobri a sala HIV do Uol (nunca tinha reparado que essa sala existia) e entrando nela descobri uma realidade bem convencional, que ela era exatamente igual às outras salas (mania minha de achar que só porter o HIV no meio tem que ser diferente...) E lá conheci um cara legal, o Bob Esponja, com a mesma idade que eu, que tinha descoberto sua sorologia no mesmo dia que eu e no mesmo lugar (conhecidência ou destino?) Então conversamos muito sobre isso, nossas dúvidas, nossos xingamentos, nossa inconformação, foi legal ganhar um amigo sabendo que eu era + e ele tb, assim minha vida não correria mais em silêncio absoluto... Com o passar do tempo e nos ajudando mutuamente descobri que ganhei um apoio e ele tb, no dia que o conheci, prometi pra ele que passaríamos por isso juntos e até hoje passamos e por muitas coisas... Choramos muito juntos, saímos pra balada, dividimos sonhos, esperanças e desperanças, durante muito tempo ele era aúnica pessoa que eu podia falar, tirar as minhas duvidas, contar o que tava acontecendo comigo... O Bob é um cara maravilhoso que rapidamente ganhou status de irmão no meu dia-a-dia (e eu nunca tive um, só três irmãs mais velhas e nem aí pra mim). Comecei a sentir que eu podia ter uma amizade normal sendo +. de sair, de dar risada, chorar, acompanhar, dançar, ficar sem fazer nada pensando na vida... Eu acho que o primeiro sinal que eu recbi na vida que as coisas iam melhorar era o Bob na minha vida...

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Será que eu tenho direito a ser feliz?

Por mais que tivesse tudo bem, os dias foram passando e um aperto no meu peito começou a aparecer... Sabe, as vezes a genta pára um pouco e se descobre triste e pra baixo... Eu tava num fim de tarde andando de moto numa rodovia aqui da minha cidade, qdo um bando de motoqueiros passaram por mim, um grupo viajando de moto pro interior, dava praver que eles estavam felizes, pois ficavam fazendo movimentos com suas motos formando desenhos na pista e eu começei a e perguntar se eu teria o mesmo direito disso, de fazer parte de um grupo de motoqueiros viajantes, de dançar, de dar risada com os amigos no cinema, de ficar, namorar, ser feliz...
Com um diagnóstico na mão, a vida afetiva uma bosta e meus sonhos de casar e ser feliz no chão lá do CTA Henfil em São Paulo, não sabia se havia solução pra mim... Ainda na estrada, com o vento entrando pelo meu capacete, eu sentia a nítida impressão de que eu jamais seria feliz novamente, que não ia sorrir mais com meu melhor amigo sentado encima de uma montanha, que não poeira mais brincar na chuva e voltar todo molhado e com frio pra casa, que não ia mais beijar na balada, nem ficar dormindo abraçado com alguém me sentindo o cara mais realizado do mundo... É foda qdo a gente entra nessa deprê, mas muitas vezes não há o que fazer, tem hora que parece que nada acontece, mas tem hora que a gente se vê como a pessoa mais infeliz do planeta, esquecendo que tenta gente no meio da guerra, passando fome´, enfim, nessas horas a gente sente como se a nossa dor fosse a maior e como se o mundo nem ligasse... Eu queria gritar... Mas quem ia me ouvir?

terça-feira, 18 de março de 2008

No divã, com a psico, descobri uma coisa: não sou mais imortal!

Mais um dia, lá estava eu na sala de espera pra conversar com a psicóloga, pronto era o que me faltava: soropositivo e louco! É daqui pra baixo é um pulo... Mas bem, estava lá...
De repente a psicologa passou por mim, com roupas que pareciam aquelas que eu a gente só usa em casa, por serem confortáveis mas já meio velhinhas, japonesa, de voz baixa, quase como uma fada, me chamou pra entrar na sala...
Entrei e ela perguntou o que eu estava fazendo lá... Contei todo o desenrolar da história ela ouvia a tudo atentamente, perguntou qual era a minha profissão, idade, se tenha namorado (porra, porque todo mundo pergunta que se eu tenho namorado? Quem disse que eu sou gay? hehehe) e blá blá blá...
Ela começou a me dizer que realmente não é fácil receber uma notícia dessas, mas que é uma nova realidade na minha vida que eu não posso renegar, por ser soropositivo implica em uma série de coisas, mas a coisa legal que ela disse é que eu não preciso aceitar a tudo de modo passivo, se eu sentir vontade de gritar eu posso, de reclamar, de me revoltar, é um direito meu; e ela disse outra coisa que eu nunca tinha notado, que quando a gente recebe o diagnóstico do HIV a gente não recebe uma sentença de morte, mas a gente perde uma certeza inerente ao ser humano, a certeza da imortalidade, porque morrer vamos todos, mas a gente esquece dessa verdade fundamental, então recebendo o diagnóstico a gente perde essa certeza intima de sermos imortais, percebemos que temos prazo de validade, na verdade a morte é uma certeza para todos, mas a gente sempre finge que não é com a gente e a notícia do HIV faz a gente olhar um pouco mais pra gente mesmo, pra nossa verdade e a verdade que eu aprendi hoje é que eu não sou mais imortal...

Eu gostei muito do papo com a psico, me faz perceber que ter HIV não precisa ser dramático, nem triste, é apenas uma nova fase da vida que me foi instituída e como toda fase tem seus sabores e dissabores. Ela me disse pra eu não me prender a modelos da doença, até porque o tratamento avança a cada dia e que eu estou aparentemente bem, entaõ não devo pensar que vou morrer logo, nem que vou começar a definhar da noite pro dia e ela está certa, já fazem pouco mais de dois meses e nada mudou na minha vida eu apenas parei de contar piada sobre quem tem aids...
Eu gostei muito do que ela disse no fim da consulta e quero deixar aqui gravado pra posteridade:

VOCÊ ESTÁ COMEÇANDO UMA NOVA FASE NA SUA VIDA E QUEM ESCREVE A SUA HISTÓRIA DAQUI PRA FRENTE É VOCÊ E NÃO O VÍRUS, CABE A VOCÊ ESCREVER PRA SI UMA HISTÓRIA DE TRISTEZA OU DE FELICIDADE, DE DERROTA OU DE SUCESSO...

Queria mandar um alô à todos que acompanham a novelinha da minha vida e desculpem as vezes pelos períodos de ausência, é que fazer um blog e viver ao mesmo tempo não é nada fácil....

sábado, 15 de março de 2008

O 2º resultado e a infectologista

Sabe, os quinze dias passaram tão rápidos que até me esqueci que tinha chegado o dia de pegar o segundo resultado e lá estava eu de volta, novamente sentado na sala de espera do CTA...
Nem adiantava eu fazer qualquer promessa que fosse pra Deus para o 2º exame dar negativo, até porque eu sabia que fosse o que prometesse eu não iria cumprir e, no mais, eu sabia que seria um drama de novela demais o meu primeiro exame ter sido um erro por qualquer motivo que fosse, lembro que no primeiro resultado a moça falou: Olha, ainda pode dar negativo o segundo exame! Eu simplesmente falei que confiava na ciencia e nos métodos diagnósticos.
E foi exatamente o que ela me disse qdo tirou o segundo exame no envelope: È, você disse que confiava na ciência, é realmente, a sua segunda amostra deu positivo, foi confirmada pelo western blot, agora você tem um diagnótico definitivo...
Ela começou a tirar um monte de papel do envelope e disse que teria que me fazer umas perguntas, começou perguntando se eu tinha muitos parceiros, se eram todos homens, se eu usava drogas, bebia, fumava, se meu trabalho oferecia algum risco... Respondia a tudo que ela perguntava prontamente, mas na minha mente eu só conseguia pensar: Puxa! A porra do meu mundo desabando e ela preocupada em terminar o trabalho dela e me liberar! Mas sabe, apesar do meu pré conceito em relação ao procedimento reconheço que fui muito bem atendido por ela e pelo pessoal do CTA.
Ela me disse que eu precisaria procurar um CTA que tiesse acompanhamento de um infectologista, pois lá só fazia testagem e aconselhamento e me deu uma guia de encaminhamento, que pra mim não ia ser muito útil, afinal eu não morava em são paulo, fiz o exame o mais longe possível da minha cidade, e começou o meu drama, em procurar um infectologista na minha cidade...
Demorei pra procurar um médico, toda vez que eu passava na frente do CTA da minha cidade eu passava direto, outras vezes eu estacionava, ficava um tempo parado, mas não tinha coragem de entrar, sempre com os mesmos medos: E se eu encontrar alguém conhecido? Se alguem descobrir? Se o atendimento for ruim?
Diversas vezes ligava pro CTA pra pedir informações e desligava o telefone na cara da atendente na hora que alguém entrava na minha sala no trabalho...
E assim passei, mais de um mês pra conseguir entrar no CTA e marcar com a infectologista, mas acabei fazendo, um dia tomei coragem, entrei e falei: Olha, eu fiz meus exames em são paulo e o exame de HIV deu positivo e me informaram que eu devia procurar um infectologista na minha cidade... A atendente simplesmente falou: Pois não, o sr já passou aqui alguma vez? Se não terá que trazer cópia de seus documentos e comprovante de endereço pra fazermos seu cadastro, mas o sr. já pode marcar com a infectologista pra semana que vem...
Sabe, engraçado como isso é tão rotineiro pros profissionais de saúde, que a atendente não se impressionou com nada, falou comigo como se eu tivesse marcando um dentista... Na verdade eu não sei porque, mas me sentia um ET pelo fato de ser soropositivo, sabe, não me sentia mais um homem normal, comum, como sempre fora...
Levei toda a documentação e uma semana após estava eu sentado frente a frente com a infectologista. Uma médica simpatica, de sorriso terno, nem muito jovem, nem muito velha, parecia competente, começou a me falar sobre o funcionamento do monitoramento, da necessidade de fazer diversos exames iniciais pra ter noção do meu estado geral, preencheu um monte de papel e me disse que eu poderia passar com a psicóloga se achasse necessário e muitos outros blá blá blás...
Saí da sala lotado de guia pra divversos exames, colesterol, pesquisa pra todo tipo de bactéria, pra pesquisa de tuberculose, exame de urina, de fezes, trocentos exames de sangue, consegui marcar a psicóloga pro dia seguinte...


Esquecer, as vezes lembrar...

E os dias passando sempre iguais: trabalho, casa, casa, trabalho... Sabe, as vezes eu até esqueço que tenho HIV, mas as vezes, parado na cama, antes de dormir, respiro fundo e me lembro de tudo que está se passando no meu corpo e que o futuro é incerto...
O estranho de tudo isso, é que o futuro sempre foi incerto, mas é engraçado, isso parece mais vivo quando a gente descobre que tem HI, sabe, na minha vida o diagnóstico não caiu como uma sentença de morte, sei que não vou morrer amanhã, mas isso muda muita coisa na gente internamente...
Começo a pensar um pouco nos amigos, na família e a vida afetiva então? Como vai ser daqui pra frente? Contar pra quem? Contar ou não contar? Ah!
Na pressa natural do cotidiano a gente até esquece, ainda mais pra mim que não tenho sintoma nenhum de nada: não comecei a sentir cansaço da noite para o dia, nem os tais suores noturnos, alias, nem gripe eu pego! Então são raros os momentos que paro pra pensar e falo: Puxa vida! eu tenh HIV...
A única coisa que me deixou deprimido de imediato é o fato de não vir a ter filhos; eu sei que muita gente lendo isso vai pensar: Poxa, mas você ainda pode ter filhos! Mas eu não falo só da procriação, na minha vida isso é uma faca de diversos legumes, que algum dia eu explico com calma...

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O primeiro dia

Acordei com o exame na mão, ao contrário do que eu pensava, não tive sequer pesadelos, tive um sono tranquilo, acordei leve, como se todo o planeta tivesse acordado em paz... Levantei fui ao banheiro e me olhei no espelho e mesmo vendo o rosto de sempre, comecei a me encher de perguntas apavorantes: Meus Deus, será que meu rosto vai definhar? Vou ficar feio? Os ganglios no pescoço vão ficar proeminentes? O que pra mim fora um hábito tão cotidiano pela manhã se transformou num tormento, mesmo estando saudável até então, corado, com o mesmo olhar, olhos notáveis, bochechas rosadas e sorriso terno, eu podia ver todo aquele brilho se apaggando pouco a pouco e eu deixando de existir na minha própria história...
Saí de casa e já na garagem de casa, olhei pro fim da rua e olhei a cadeia de montanhas verdes que circundam minha cidade, nunca tinha reparado nelas, na verdade eu nunca tinha reparado em nada antes, sempre atrasado, reclamando do transito, do estresse, do acúmulo, do salário, enfim, do descontentamento com a vida... E elas sempre estiveram lá e eu nunca tinha notado.
Dirigindo um trajeto curto de casa até o trabalho, comecei a reparar no desenho das nuvens, nos pássaros, nos outros carros e vi que tudo continuava como sempre foi, o mundo não tinha se tornado diferente pelo fato de ser soropositivo, as pessoas iam e vinham, os carros, tudo estava exatamente no seu lugar como em todos os dias, a única coisa que tava diferente do dia anterior nesse contexto era eu, que tinha recebido ontem a notícia de que o vírus HIV tava circulando pelo meu corpo e nem eu sabia ao certo o que isso representava, o que podia ir a acontecer, o que iria mudar...
É impressionante, o nosso particular desabando e o mundo externo nem aí. Cheguei no trabalho, sentei na minha mesa e tudo estava normal, as pessoas, o maquinário, os móveis e eu me perguntando: Pera aí? O mundo não vai parar não? Porra! Eu tenho HIV e fica todo mundo pra lá e pra cá como se nada acontecesse? Até que ponto isso é justo? Porque que tem que acontecer só comigo? Mas pera aí. Será que isso acontece só comigo?
Comecei a andar pelo corredor e a olhar meus colegas de trabalho e me perguntar: Pô, será que alguém passa calado pelo que estou passando? Será que alguém já passou pelo estou passando? Do mesmo modo que pra mim, externamente, tava tudo normal, podia acontecer o mesmo com as pessoas que passavam por mim e me cumprimentavam sorrindo... Putz, será que a vida é justa?
Sentei de olta na minha mesa e entrei no bate papo da uol e botei na busca: HIV, apareceu a uma sala, nem sabia que no chat do uol tinha uma sala só pra soropositivos...
Tinha umas 20 pessoas na sala, fiquei impressionado em saber que pessoas com 20 anos de HIV estaam por lá, dizendo que tudo ia ficar bem, mesmo lendo eu não conseguia acreditar que tudo ia ficar bem, pra mim meu mundo tava ruindo pouco a pouco... Mas foi bom perceber que mesmo com HIV as pessoas estavam ali vivendo uma vida normal, fazendo amigos, procurando namorado, mostrando que a vida continua de qualquer jeito...

É! A vida continua...

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

De volta ao lar, lendo o exame sozinho...

Abri a porta de casa, o silêncio de sempre, tudo apagado, resultado de quem vive sozinho, ninguém a te esperar com um sorriso terno ou um abraço, tirei a jaqueta, joguei as chaves e fui pra cama, até então sem nenhuma emoção, sem sequer sorrir ou chorar, não conseguia pensar em nada...
Lembrei do exame no bolso da jaqueta, levantei e peguei, olhei o REAGENTE, escrito bem grande... Sentei ao lado da cama e começei a ler o exame inteiro e meus olhos leram o seguinte (transcrição do meu exame):



PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE
LABORATÓRIO DE SAÚDE PÚBLICA LAPA
NÚMERO: 07/xxxxx UNIDADE: Henfil
NOME: xxxxx xxxxxx xx xxxxx PRONTUÁRIO: xxxx/07
Idade/DN: xx/xx/xx Data Entrada: 18/06/2007
SOROLOGIA PARA HIV
ETAPA DE TRIAGEM SOROLÓGICA
ELISA I - ANTI HIV 1 + 2 AXSYM ABBOTT
DENSIDADE ÓPTICA: 31.40 INTERPRETAÇÃO ELISA 1: REAGENTE
"CUT OFF": 1.0
ELISA II - VIRONOSTICA HIV UNI-FORM II PLUS O
DENSIDADE ÓPTICA > 3.0 INTERPRETAÇÃO ELISA II: REAGENTE
"CUT OFF": 0.351
ETAPA DE CONFIRMAÇÃO SOROLÓGICA
IMUNOFLUORESCENCIA INDIRETA PARA HIV-1: BIOMANGUINHOS-FIOCRUZ
RESULTADO: REAGENTE
WESTERN BLOT PARA HIV-1: CAMBRIDGE BIOTHEC
CONCLUSÃO: AMOSTRA POSITIVA PARA HIV-1
ATENÇÃO
1 Caso seja a primeira amostra com resultado positivo, considerar o resultado parcial. Somente será considerado definitio após análise da segunda amostra em até trinta dias. (Portaria MS/SVS Nº 59)
2 No caso de amostras indeterminadas recomenda-se a coleta de nova amostra após 30 dias e a repetição dos procedimentos sequenciados com o propósito de se verificar possível soroconversão recente.
3 A detecção de anticorpos anti HIV em crianças com idade inferior a 2 anos não caracteriza infecção, devido à transferência de anticorpos maternos, sendo necessária a realização de outros testes complementares para a confirmação do diagnóstico.
Assinatura do biomédico.
Li o exame inteiro três vezes, todas as letras da folhinha, os exames para sífilis e para hepatites deram negativo. Lendo, relendo, trilendo, foi me fazendo cair a ficha e no silêncio do meu quarto eu olhei pro céu e pensei na minha mãe (que havia falecido meses antes), pensei que ela estava lá encima assistindo isso, pedi proteção a ela, que ela não me abandonasse nesse momento e que cuidasse de mim, nem nessa hora eu consegui chorar, mesmo estando com a alma e coração destrossados, até hj, não derramei uma lágrima sequer em relação ao meu HIV...
Fiquei deitado na cama com o exame na mão por horas, até o sono chegar...

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Saindo do CTA, meus primeiros passos como soro+

Pisando sem sentir o chão, sem sentir meu corpo, nem minha alma, era como se eu tivesse deixado de existir, instantaneamente, eu andava pelas ruas do centro, pelo viaduto do chá, mas não raciocinava, só olhava pras pessoas e me perguntava se elas estavam olhando pra mim, se elas sabiam... Depois de andar decidir ir pra casa... Estático, sem emoções, como se meu coração não batesse, como se não tivesse coração... Não sei se vocêm já se sentiu assim, como se realmente não existisse mais...
Dirigindo naquele miolinho intrafagáel no centro de São Paulo, só conseguia ouvir na minha mente a voz da assistente social falando: Pera aí, deu positivo! E eu não sabia pensar em mais nada (menos mal, porque não conseguia nem pensar em me jogar de cima da ponte). Um transito infernal na marginal tietê, meu mundo acabando e todo mundo levando uma vida normal, dentro dos seus carros indo pras suas casas...
Peguei a rod. dos bandeirantes rumo ao Rodoanel pra ir pra minha cidade, quando o transito sumiu e eu fiquei no meio de poucos carros vi o sol se pondo bem grande, na minha frente e naquela hora eu percebi que cada pôr¬do¬sol dali pra frente seria importante (eu que não reparava nele há séculos) e que daqui pra frente tudo seria importante... Entrei na rodovia local na minha cidade e olhei a placa de bem¬vindo, as colinas e as casas e predios aparecendo pouco a pouco, percebi que eu nunca tinha dado importância pr'aquilo antes...

Pegando o primeiro resultado

Fiquei um tempo na sala de espera do CTA Henfil, até que apareceu uma mulher bonita, trintona, bem maquiada, com uma pasta na mão, disse o meu nome e entramos na sala. Ela tirou os papéis do envelope , olhou sem me deixar ver e perguntou: Porque você veio fazer o exame?
E eu expliquei: Vim acompanhar um amigo que estava com medo de fazer... E ela começou a perguntar sobre a minha vida sexual e eu respondia a tudo o que ela perguntava sem sobressaltos e ela perguntando cada vez mais (acho eu que era pra tentar justificar o resultado, e ela não conseguia), perguntou se eu já tinha usado drogas, se usava camisinha nas minhas relações, se tinha relações casuais e tudo mais. E eu, como sou muito falante fui falando, falando, faladno da vida, quase como na terapia, até esqueci que tava lá pra pegar o resultado do exame de HIV.
Teve uma hora que o papo foi morrendo e ficou um silencio, eu me levantei e falei: Bom obrigado pelo papo, daí ela disse a frase que eu nunca mais vou esquecer: Péra aí, seu exame deu positivo!
Eu parei de falar, sentei e perguntei pra ela se existia uma reação padrão pra quem recebe esse tipo de notícia. Fiquei estático, não conseguia falar, nem pensar em nada, tudo parou, o cérebro parou de funcionar por algum tempo, o qual nao sei precisar, aí ela falou: E AÍ, O QUE MUDA? E eu falei: EU NÃO SEI! E na minha cabeça, veio a frase: EU TENHO AIDS, EU TENHO AIDS, EU TENHO AIDS. A assistente social falava comigo e eu não sabia penasr outra coisa, ela falou que precisava preencher uma papelada e começou a perguntar um monte de coisas e eu respondia sem nem saber o que ela perguntava, não conseguia raciocinar. Ela disse que eu teria que colher um segundo exame no mesmo dia e que podia ser que o segundo desse negativo...
Eu não acredito nisso, eu confio na ciência! disparei sem pensar. Ela falou, bom vamos ver daqui a dez dias...
Me acompanhou até a enfermaria pra colher o segundo exame, pra mim foi muito constrangedor, qdo eu vi o meu cartão do CTA escrito: coleta, resultado, coleta, isso significava que todo mundo que olhasse aquele cartao saberia que eu tinha aids...
Colhi a segunda amostra e saí do CTA, saiu só o corpo, tinha deixado todo o resto lá...

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Histórico: Como se coubesse aqui!

Eu sou um cara normal, trabalho, estudo, tenho amigos, fim de semana. Enfim, uma pessoa como qualquer outra, com uma vida sexual ativa (não tanto quanto eu gostaria ou merecia, mas fazer o que?) Infância normal, não venho de uma vida sofrida, tampouco de uma vida grandiosa, tive a famosa infância 80, com meus ídolos vivos, se apresentando no programa do Chacrinha. Fui um adolescente rebelde, que arranhava três acordes no violão tentando tocar qualquer música da Legião Urbana, mas fui um adolescente feliz, meio bobão até...
Comecei a vida sexual como a maioria, na adolescencia, sem importância, sem amor, sem sonhos, foi mais pra "quebrar o jejum" que por amor mesmo... Se a primeira vez foi com camisinha? Não! Eu morria de vergonha de entrar numa farmácia pra comprar camisinha, alias, me lembro da primeira vez que comprei camisinha na vida: eu tava com tanta vergonha que comprei tanta coisa que nem precisava, só pra camisinha ficar perdida no meio da cestinha, me lembro de na época o salário mínimo ser R$ 100,00 e d'eu ter gastado mais de R$ 50,00 reais na farmácia, só pro pacote de camisinha passar desapercebido pela caixa da farmácia, e saí frustrado de lá, ela nem prestou atenção que eu tava levando um pacote de camisinha, nem olhou pra mim diferente e olha que quando eu fiz isso, já era homem barbado!
Hj não sei se fui um cara que transei muito sem camisinha, na verdade nunca pensei muito nisso, sei que usava as primeiras vezes no namoro, depois largava (como prova idiota de fidelidade, sei lá), sei que as camisinhas até perdiam a validade perdidas nas gavetas das cômodas ao lado da cama, na verdade acho que não fui um cara que transei muito, no fundo gostaria de ter transado muito mais, mas isso é assunto pra mais pra frente... Casei cedo, separei, enfim, uma vida cotidiana atual, já na vida adulta descobri a homossexualidade, mas mantendo a minha vida sexual mediana e não me inserindo no mundo gay (como se isso me protegesse, quanta ilusão), então, em junho do ano passado, um amigo tava com medo de fazer o exame por ter aprontado demais e eu muito tranquilo da minha consciencia decidi acompanhá¬lo e fazer o exame junto com ele, pra dar apoio moral. O exame dele deu negativo... O meu não.

Alguém, em algum lugar


Em junho de 2007, meu mundo caiu com a seguinte frase: SEU EXAME DEU POSITIVO! Pronto, naquele momento perdi o chão, os sonhos, meu eu, ficou tudo no chão daquela sala do CTA Henfil no centro de São Paulo... Enquanto a assistente social falava que não era o fim do mundo e blá blá blá, eu só conseguia repetir dentro da minha cabeça: EU TENHO AIDS! EU TENHO AIDS! EU TENHO AIDS! É complicado receber uma notícia dessas aos 27 anos, com muitos sonhos pela frente, muito a fazer, a me divertir e até a aprontar... Sai sem alma do CTA, caminhando pelas ruas com o exame no bolso sem saber o que pensar, falar, ver ou até ser, eu não sabia mais como ia ser o futuro, se haveria futuro, se eu seria feliz, enfim, não sei o que se passa na cabeça de quem descobre isso, na minha, uma gigante interrogação, me sentia como Luciana Scotti, em Sem Asas ao Amanhecer (ótima dica de leitura)...
Eu nunca tinho ficado doente, nem gripe forte eu tivera, sempre fui muito saudável, muito regrado, meio tonto até, não era promíscuo, uma vida sexual normal de conhecer, paquerar, transar, como qualquer cara interessante e solteiro solto aí pelo mundo, mas tinha acontecido comigo, justo comigo...
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