Alguém, em algum lugar

Em junho de 2007, meu mundo caiu com a seguinte frase: SEU EXAME DEU POSITIVO! Pronto, naquele momento perdi o chão, os sonhos, meu eu, ficou tudo no chão daquela sala do CTA Henfil no centro de São Paulo... Enquanto a assistente social falava que não era o fim do mundo e blá blá blá, eu só conseguia repetir dentro da minha cabeça: EU TENHO AIDS! EU TENHO AIDS! EU TENHO AIDS! É complicado receber uma notícia dessas aos 26 anos, com muitos sonhos pela frente, muito a fazer, a me divertir e até a aprontar... Sai sem alma do CTA, caminhando pelas ruas com o exame no bolso sem saber o que pensar, falar, ver ou até ser, eu não sabia mais como ia ser o futuro, se haveria futuro, se eu seria feliz, enfim, não sei o que se passa na cabeça de quem descobre isso, na minha, uma gigante interrogação, me sentia como Luciana Scotti, em Sem Asas ao Amanhecer (ótima dica de leitura)...Eu nunca tinho ficado doente, nem gripe forte eu tivera, sempre fui muito saudável, muito regrado, meio tonto até, não era promíscuo, uma vida sexual normal de conhecer, paquerar, transar, como qualquer cara interessante e solteiro solto aí pelo mundo, mas tinha acontecido comigo, justo comigo...

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O primeiro dia

Acordei com o exame na mão, ao contrário do que eu pensava, não tive sequer pesadelos, tive um sono tranquilo, acordei leve, como se todo o planeta tivesse acordado em paz... Levantei fui ao banheiro e me olhei no espelho e mesmo vendo o rosto de sempre, comecei a me encher de perguntas apavorantes: Meus Deus, será que meu rosto vai definhar? Vou ficar feio? Os ganglios no pescoço vão ficar proeminentes? O que pra mim fora um hábito tão cotidiano pela manhã se transformou num tormento, mesmo estando saudável até então, corado, com o mesmo olhar, olhos notáveis, bochechas rosadas e sorriso terno, eu podia ver todo aquele brilho se apaggando pouco a pouco e eu deixando de existir na minha própria história...
Saí de casa e já na garagem de casa, olhei pro fim da rua e olhei a cadeia de montanhas verdes que circundam minha cidade, nunca tinha reparado nelas, na verdade eu nunca tinha reparado em nada antes, sempre atrasado, reclamando do transito, do estresse, do acúmulo, do salário, enfim, do descontentamento com a vida... E elas sempre estiveram lá e eu nunca tinha notado.
Dirigindo um trajeto curto de casa até o trabalho, comecei a reparar no desenho das nuvens, nos pássaros, nos outros carros e vi que tudo continuava como sempre foi, o mundo não tinha se tornado diferente pelo fato de ser soropositivo, as pessoas iam e vinham, os carros, tudo estava exatamente no seu lugar como em todos os dias, a única coisa que tava diferente do dia anterior nesse contexto era eu, que tinha recebido ontem a notícia de que o vírus HIV tava circulando pelo meu corpo e nem eu sabia ao certo o que isso representava, o que podia ir a acontecer, o que iria mudar...
É impressionante, o nosso particular desabando e o mundo externo nem aí. Cheguei no trabalho, sentei na minha mesa e tudo estava normal, as pessoas, o maquinário, os móveis e eu me perguntando: Pera aí? O mundo não vai parar não? Porra! Eu tenho HIV e fica todo mundo pra lá e pra cá como se nada acontecesse? Até que ponto isso é justo? Porque que tem que acontecer só comigo? Mas pera aí. Será que isso acontece só comigo?
Comecei a andar pelo corredor e a olhar meus colegas de trabalho e me perguntar: Pô, será que alguém passa calado pelo que estou passando? Será que alguém já passou pelo estou passando? Do mesmo modo que pra mim, externamente, tava tudo normal, podia acontecer o mesmo com as pessoas que passavam por mim e me cumprimentavam sorrindo... Putz, será que a vida é justa?
Sentei de olta na minha mesa e entrei no bate papo da uol e botei na busca: HIV, apareceu a uma sala, nem sabia que no chat do uol tinha uma sala só pra soropositivos...
Tinha umas 20 pessoas na sala, fiquei impressionado em saber que pessoas com 20 anos de HIV estaam por lá, dizendo que tudo ia ficar bem, mesmo lendo eu não conseguia acreditar que tudo ia ficar bem, pra mim meu mundo tava ruindo pouco a pouco... Mas foi bom perceber que mesmo com HIV as pessoas estavam ali vivendo uma vida normal, fazendo amigos, procurando namorado, mostrando que a vida continua de qualquer jeito...

É! A vida continua...

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Guto, td bem?
minha história é bem parecida com a sua, eu descobri tudo muito de repente tmb, faz 3 meses que sei q sou soropositiva e minha ficha não caiu até agora. Graças a Deus estou tendo o apoio da minha mãe, irmãs e meu namorado, mas confesso que não tem sido nada fácil. Olha, iria gostar muito de conversar com vc, manter um contato, e quem sabe assim podemos ajudar um ao outro.
Fique bem tá,
Bjus, Simone

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